A Pintora
MARGARIDA CEPÊDA VISTA PELA JORNALISTA HELENA MINEIRO
“Falar de Margarida Cepeda é falar de um ser absolutamente fascinante e congregador de poderosas energias que nos levam a pensar que Deus realmente existe.
Conheci-a em 2002 pela mão de um amigo comum: O querido Mário Costa. Homem singular, genuíno, fraterno e, verdadeiramente apaixonado pela obra desta mulher cujo percurso profissional acompanha desde os finais da década de 80. Talvez que por um processo de “osmose”, também eu fiquei irremediavelmente “tomada de amores” pela produção enebriante da pintora. Até ao momento em que pela primeira vez tomei contacto com a sua obra, não me lembro de protagonizar reacções como as que vivi então. Dei por mim a ficar muitas vezes sem fôlego, no exacto momento da contemplação de um quadro. A arte tem essa fabulosa capacidade de re-ligar o que está “pulverizado”, dando sentido a uma mensagem que se quer universal. Margarida Cepeda tem dado do seu trabalho um testemunho inédito através de uma espantosa linguagem simbólica, enaltecendo com fervor a figura da mulher, sabendo como ninguém mostrar o lado YING do Universo socorrendo-se para isso da figura feminina. O mistério, a dúvida, a emoção e o afecto pontuam o seu percurso pois que eles são aspectos do feminino. Força que dá a vida e a sustenta, mantendo-se serenamente à espera do momento em que a ela retornarão ambas as polaridades. Quando um pintor atinge um tão grande patamar, chama até ele uma igual responsabilidade. À qual Margarida nunca voltou costas. Lembro-me, nas muitas vezes em que a entrevistei, de lhe ter perguntado porque é que nunca trabalhara a figura masculina. Curiosamente a pergunta surgiu no exacto momento “da viragem”.
Poucos meses depois inaugurava uma exposição na galeria Galveias em Lisboa (Setembro de 2004) mostrando pela primeira vez uma vasta obra onde sobressaía a figura masculina. Magistralmente defendida. Os artistas de mão cheia percebem-se pelos detalhes. E a pintura de Margarida Cepeda é toda ela um oceano de detalhes, de minúncias, de pormenores que fazem pulsar a vida e a validam no seu esplendor. É um trabalho onde se conjugam os opostos numa dança perfeita. Onde não há antagonismos, antes complementaridade, pois é disso que a vida trata. Onde o equilíbrio é acima de tudo a convivência do Sol (masculino) e da Lua (feminino), do quente e do frio, do mais e do menos, do direito e do esquerdo. Margarida Cepeda sabe que Tudo está em Tudo e passou essa verdade para a sua pintura. Fê-lo excelsamente porque ao OLHAR para uma obra sua o sentimento comungado atinge a perfeição. O que os olhos do espectador alcançam está muito próximo da ideia de Bem de Platão.
Filha de um militar e de uma médica, Margarida Cepeda nasce em Lisboa em Abril de 1959. É a terceira de quatro irmãs. Na família não há ninguém ligado às Artes Plásticas. O impulso para desenhar toma conta dela desde menina. Qualquer sítio serve para dar aso à sua imaginação. Desenha nas paredes lá de casa, em todos os papéis que lhe aparecem pela frente. É um acto incontrolável que Margarida gosta de chamar de “bênção”. Quando entra para Belas Artes, o país sente ainda as transformações resultantes da revolução em 74. Margarida confessa que esse não foi um período fácil: “Havia um regime de censura para tudo o que fosse figurativo, isso foi muito frustrante, pois sempre tive uma grande necessidade de trabalhar a figura humana”. Começa por abordar a figura humana de forma muito sintética, estilizada até, mas a sua voz interna pedia-lhe mais: “O meu ser pedia-me uma figura mais clássica, nunca consegui fugir disso, senão não era eu, era algo postiço”.
Os ensinamentos que recebe não a satisfazem de todo. Mas há algo que corre a seu favor: “Não conhecia ninguém ligado ao meio artístico, nunca tive “padrinhos”. Contei apenas com o meu trabalho”. Sabe que foi rejeitada por uma mão cheia de personalidades ligadas ao meio, mas nada disso a demoveu. A crítica também se revela feroz: “Os críticos não me apontavam nada a nível da técnica. Eles não gostavam era das imagens que eu apresentava. Não havia sensibilidade para apreciar o meu trabalho”.
Ainda hoje Margarida capta sensibilidades idênticas às de então: “Hoje em dia enveredou-se por uma teoria estética que considera o que eu faço como sendo do passado. O tipo de arte que se favorece é marginal, deprimente, fragmentado, contundente, chocante. Sei que se a minha pintura estivesse nesse padrão eu já estaria noutro patamar”. Então o que é que explica que as exposições de Margarida se pautem pelo sucesso? Margarida tem a resposta: “Há público com uma sensibilidade que está em sintonia comigo. Não acredito que se chegue às pessoas pela violência. Chega-se aos outros entendendo-os, apresentando caminhos, partilhando experiências. É o que eu faço com a minha pintura”.
Ainda que a sua pintura tenha dado desde sempre um grande destaque à figura feminina à Margarida interessa fundamentalmente o equilíbrio. Depois de ter integrado nos seus trabalhos o lado lunar (feminino) eis que surge glorioso e pujante o lado solar (masculino): “A Sociedade Ocidental tem uma falta de entendimento das necessidades tipicamente masculinas. Noto que o feminino ganha cada vez mais terreno em detrimento do masculino. Há muitas coisas escritas sobre o feminino, eu própria vim a este mundo com um corpo de mulher o que constitui uma excelente ferramenta para entender muito do que me rodeia. O masculino é muita vez desrespeitado. Há uma situação de ignorância e por vezes de caos, muito mais no masculino do que no feminino”. Até relativamente à beleza masculina, a artista plástica entende que os homens vivem encarcerados num espartilho. O seu propósito é quebrar essa directriz: “Os homens sentem-se muito mais comprometidos com a sua imagem, atendendo a um certo estatuto de poder, de respeito. As mulheres têm mais liberdade de expressão, elas falam mais, exorcizam mais”.
Muitas das propostas com que a arte nos acena hoje em dia, caem invariavelmente em dinâmicas que gostam de catalogar um trabalho como sendo bom ou outro como sendo mau. Com o seu trabalho Margarida pretende mostrar a diferença entre as polaridades, desvendando como se pode chegar ao equilíbrio através dessas diferenças: “Uma obra de arte deve ter conteúdo. Obras de arte sem conteúdo é a imagem pela imagem. Se elas são chocantes é o choque pelo choque. Os meus quadros transmitem mensagens positivas”.
Tomemos como exemplo um conceituado quadro de Margarida Cepeda, PERCORRENDO O LABIRINTO: “Com base numa placa islâmica de cerâmica a obra revela todo um emaranhado delineando caminhos, rotas e percursos que cada um percorre a seu gosto com a sua própria luz encontrando flores, dragões assustadores, fénix e várias possibilidades de se re-fazer e de se re-vitalizar”. Desta forma Margarida proporciona um sentido para a descoberta daquilo que nem sempre se vê. A pintura de Margarida Cepeda é nas suas próprias palavras: “Um projecto. Feito de fio a pavio”.
Um projecto que jamais abandonará. Porque nele encontra a sua âncora: “Apercebo-me agora que preciso da pintura. Parar está fora de questão, porque pintar é o elemento mais estruturante da minha vida. O meu atelier é o meu lugar de paz”.
Quanto ao ritmo que impõe a si mesma para levar a cabo esta tarefa de uma vida, Margarida sabe que está no caminho certo que a levará ao seu ritmo natural: “Antigamente tinha um ritmo que não era respeitador da minha pessoa. Mas alterei essa dinâmica”. Os amantes da sua obra reclamam a fluência desse ritmo pois que artistas como Margarida Cepeda engrandecem o Universo nos intervalos da raridade.”